Maravilha, o esperançoso artigo de Sérgio Abranches no "no.com.br" da semana passada. Veja aí.
Nossa força interior - Sérgio Abranches
01.Dez.2001
A melhor resposta de Peter Drucker na entrevista que ele deu a vários diretores brasileiros de empresa para a revista Exame, foi à pergunta do presidente da Perdigão, Nildemar Seches, sobre o que teria ocorrido a uma empresa se tivesse utilizado todos os modelos de administração propostos pelos gurus de gestão. “Essa empresa não estaria mais no mercado”. E mais não disse. Nem precisava. Mas a frase mais importante para nós brasileiros, foi sobre o Brasil mesmo: “sinto que o empresariado brasileiro ainda não compreendeu totalmente o significado do desenvolvimento” para o Brasil. Muitos, diz ele, consideram que o futuro do Brasil está na economia mundial: “não, o futuro do Brasil está claramente em sua economia interna e no seu rápido desenvolvimento”, ensina. Drucker tem mais visão sobre o Brasil que a maioria dos brasileiros e, certamente, o governo e todos os até agora falados como candidatos a candidatos à Presidência da República.
Primeiro, ele viu a enorme mudança que o país experimentou nos últimos 50 anos, que muitos teimam em negar. Ele simplesmente não concorda “com a crença comum de que o Brasil fracassou em se desenvolver”. Ele sabe os problemas que temos, mas sabe, também, que não paramos de mudar, mesmo naqueles momentos em que paramos de crescer.
Segundo, Peter Drucker vê nesse momento de dificuldades da economia mundial a oportunidade para o “crescimento e desenvolvimento da economia interna e da sociedade brasileira”. E aconselha que façamos da educação a principal indústria em crescimento, porque é aquela “à qual a tecnologia de informações oferece as maiores oportunidades para desenvolvimento rápido e mudanças profundas, especialmente em um país tão vasto como o Brasil”.
Já escrevi aqui sobre as oportunidades que temos para desenvolver a educação usando a nova tecnologia de comunicação multimídia, digital e interativa. Já contei alguns casos de iniciativas emergentes nessa área. Não há dúvida alguma de que podemos fazer da educação que é hoje uma fraqueza, a nossa principal vantagem. Há inúmeras cidades brasileiras cujas economias saíram de uma estagnação às de décadas, ao estimularem a instalação de escolas e faculdades, transformando-se em pólos educacionais. A simples permanência dos jovens – antes saíam para estudar e não voltavam mais – e a atração de outros, deu enorme impulso à vida social e econômica dessas cidades.
Economia aberta, com a força no interior
Mas o que mais me chamou atenção nas idéias de Peter Drucker sobre o Brasil foi sua ênfase em nossa economia interna como principal fonte de nossa força vital. Principalmente em um momento em que tanto se fala na necessidade vital de transformar nossa economia em exportadora. Estamos entre duas visões exageradas e equivocadas. Uma, vinda do governo, de que nosso caso é de “exportar ou morrer”. Outra, apresentada pela oposição, cuja versão mais simples foi dada por Lula: “só exportar após matar a fome dos brasileiros”.
A ênfase excessiva na exportação, por causa de nossa fragilidade externa, leva a uma visão distorcida do que são as potencialidades do Brasil. Nossa força interior é nosso mercado interno e nossa principal máquina de crescimento o nosso interior, que está passando por uma grande transformação. É evidente que precisamos exportar, exportar o suficiente para viver. O que quer dizer isto? Que nossas exportações têm que ser suficientes para pagar nossa conta externa, sobretudo para financiar nossas importações – essas, sim, vitais para nosso desenvolvimento e modernização. Na área manufatureira, nós temos um problema grave de produtividade e outro, não menos sério, de falta de visão. Nossas empresas não sabem exportar, não se aplicam para se manter competitivas no mercado externo, sempre que podem vender só para o mercado interno abandonam as janelas abertas para a exportação.
Provincianismo
Os dois problemas se resumem a um traço de nossa psicologia empresarial: o provincianismo. O Brasil não tem empresários com a ousadia de se lançarem ao mundo. Preferem ir a Brasília, buscar o cobertor aconchegante do governo. Quantas empresas brasileiras são multinacionais? Portugal, nosso avozinho tem várias. A Argentina, também. Sob esse aspecto, nossa visão interiorana é uma desvantagem mesmo. Outro dia, Cláudio Moura Castro escreveu uma coisa importante em sua coluna na revista Veja: estamos precisando sofrer uma grande evasão de cérebros. Precisamos que nossos profissionais deixem o país, vão trabalhar em outras partes do mundo, para voltarem com uma visão mais cosmopolita, com conexões mundo afora e uma bagagem de novas idéias e novas práticas, para usarem aqui.
No campo, vivemos décadas de atraso por causa do conluio entre empresários retrógrados e reacionários e um governo complacente. Hoje, o principal problema é burrice e preconceito. Quem diz que não podemos sobreviver no mundo atual vendendo commodities agrícolas, demonstra ter os dois. Nosso boi verde, nosso frango, nosso suíno ou nossa soja, têm mais tecnologia por unidade produzida do que 99% das manufaturas que exportamos. Até nosso café, hoje, bate em tecnologia muita indústria que vive chorando por vantagens estatais, em nome da modernidade.
Achar que a alta tecnologia está na manufatura é ignorar tudo o que anda acontecendo no mundo. Aliás, Peter Drucker diz, nessa mesma entrevista, que a área mais promissora da nova economia não é a telecom, nem mesmo o comércio eletrônico. Elas são áreas meio e, como a telefonia no passado, não serão as mais rentáveis ou com maiores efeitos dinâmicos. Ele afirma que a promessa maior está na biologia – biogenética, bioeletrônica, biomecânica. E nesse campo temos muito que fazer, mas é o que mais desprezamos, por causa de nossa ultrapassada cultura industrialista – “indústria é progresso” – e do peso político de nossos capitães de indústria, nosso patriciado reacionário, desproporcional à sua relevância econômica para o país.
Lula mostrou conhecer pouco nossos problemas de agricultura e de fome. É claro que o Brasil poderia estar produzindo o dobro ou triplo do que produz de grãos. Mas o problema da fome, aqui, não é de oferta de alimentos. Raramente, aliás, é. O economista Amartya Sen, em um estudo sobre a fome na região do Sahel, que matou mais de 250 mil pessoas nos anos 70 do Século passado, mostrou que o problema não era falta de alimento, mas de má distribuição. No Brasil a fome que existe, e em nada se compara com as tragédias africanas ou asiáticas, se deve à falta de renda. Nossa agricultura – pequena, média e grande – está passando por uma revolução. Seria capaz de atender a qualquer crescimento de demanda por alimentos, com rapidez. Nós não exportamos os alimentos que os brasileiros deveriam comer. Ao contrário, muitos brasileiros comem melhor hoje, do que ontem, porque nossa agricultura e agroindústria são competitivas, produtivas e sabem exportar.
O que substitui importações é crescimento, não governo
Se o Brasil cresce – e precisamos exportar mais para crescer mais – substitui importações a um ritmo muito elevado, sem precisar de um tostão furado de Brasília para isso. Outro defeito do governo e das organizações empresariais é que sempre confundem conjuntura e estrutura, às vezes por incompetência, outras por esperteza. É claro que com o colapso cambial de 99, as coisas pioraram e a redução do crescimento impõe mais pressão sobre todas as áreas. A desvalorização está promovendo mudanças em nossa pauta comercial, favorecendo o superávit. Mas por razões conjunturais, não estruturais. Câmbio é conjuntura. Estrutura é produtividade, competitividade, saber exportar, o que só se consegue ralando e estudando.
Porque o crescimento substitui importações? Por duas razões. Primeiro, porque empresas que exportam para o Brasil, quando atingem uma certa escala de vendas, tomam a decisão de produzir no Brasil. E, de quebra, muitas aproveitam para exportar daqui, porque como nosso mercado é muito grande, pede escalas maiores de produção que justificam transferir também para o Brasil a atividade exportadora, pelo menos para a região sul-americana. Segundo, porque a vinda de empresas de produtos finais para o Brasil, acaba implicando na vinda de seus fornecedores para o mercado brasileiro ou o desenvolvimento de fornecedores locais. Por uma ou outra via, peças, partes, componentes passam a ser fornecidos domesticamente e deixam de ser importados. Com o crescimento da economia doméstica é que se promove a mudança estrutural verdadeira em nossa pauta de comércio e em nossa balança comercial. Se conseguirmos financiar esse crescimento com commodities agrícolas, ótimo. Nenhum problema ou desdouro.
Ser emergente é bom
As lições de Drucker para o Brasil deveriam nos deixar corados de vergonha. Precisar que alguém venha de fora para nos dizer que nossa principal indústria deveria ser educação, que a biotecnologia é a área mais promissora da nova economia – que desprezamos olimpicamente – e nosso mercado interno é a nossa maior riqueza, é demais. Drucker mostra que o mundo desenvolvido crescerá cada vez menos e terá cada vez mais problemas. Os países emergentes é que guardam promessas, oportunidades e atrativos. A China, por seu tamanho, é sempre a primeira a ser lembrada. Mas a escala dos problemas chineses – também já escrevi sobre isso aqui – é proporcional ao tamanho de sua população. No Brasil não. A escala de nossos problemas vem diminuindo e por isso eles estão se tornando solúveis.
Alguém poderia perguntar – e já perguntaram – como pagar a remessa de royalties e dividendos desse tipo de substituição de importações, que vem com empresas estrangeiras passando a produzir aqui? O maior engano é imaginar que a força do mercado interno permite que um país se feche. Não permite. País fechado é país predestinado ao fracasso e ao baixo crescimento de longo prazo. Um país com um mercado com o potencial de crescimento que o nosso tem, não precisa se preocupar com remessa de lucros de empresas produtivas. Para se manterem nesse mercado, precisarão de um nível de investimento que as fará, ao contrário, trazer mais dinheiro para cá. O Brasil tem uma taxa de reinvestimento de lucros de empresas estrangeiras muito significativa. Com o desenvolvimento de nossa economia e nossa sociedade, poderemos sempre exportar o suficiente para pagar essa e outras contas.
O Brasil não é, nem poderá ser uma plataforma de exportações. Isso é coisa para país asiático de pequeno porte ou microeconomias como a chilena. Nós estamos destinados a viver de nossa força interior, mas cada vez mais abertos ao mundo, para que essa força possa se manifestar com todo o seu vigor e se renovar com a interação criadora e competitiva com o resto do mundo.
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