segunda-feira, dezembro 03, 2001

PROMESSA = DÍVIDA

-Promessa é dívida... aqui está, na íntegra-

O infiel da balança
M.F. do NASCIMENTO BRITO

O hábito de votar por interesse pessoal - uma doença contagiosa e de difícil tratamento - já é uma epidemia parlamentar. Ainda não existe vacina moral. Na proposta do governo para dar aos sindicatos o poder de negociar, sem vestir a camisa de força da CLT, os deputados não perderam tempo. Remarcaram antecipadamente o preço do voto e obrigaram o governo a desembolsar dinheiro grosso. Os novos benefícios para os trabalhadores custaram os olhos da cara à Viúva, com pagamento adiantado. Mas o grande destaque dessa demonstração de ausência de espírito público coube ao PMDB, que funcionou como o infiel da balança.
Foi visível o constrangimento dos líderes do governo em lidar com esse varejo de voto interesseiro. Ministros de Estado estiveram na Câmara, para atender à insaciável gula orçamentária de uma representação dita oposicionista e que representa mais os próprios interesses pessoais do que os interesses coletivos dos eleitores. Não houve oferecimento oficial, mas reivindicação de favores que os deputados oferecem como lance para a venda do seu voto. Em nome dos eleitores de cada um, os deputados do fisiologismo arrancaram do governo 1 bilhão e meio de reais.

É preciso voltar ao começo. O governo propõe uma lei para flexibilizar a rígida estrutura das leis trabalhistas brasileiras, da qual os maiores prejudicados são, obviamente, os trabalhadores, e não os empresários. Trata-se de uma ampliação do direito ao emprego, que a tecnologia vem reduzindo ao mesmo tempo em que aumenta a produção. Portanto, a produtividade é desempregadora. A lei de flexibilização se destina a defender a manutenção do emprego a um preço que possa ser pago. Que é melhor para o empregado? Perder o emprego ou ceder no salário mas manter o emprego? A resposta devia ser dada pelos próprios empregados. A CLT não permite redução de salário mas não defende o emprego. Portanto, a oposição está comendo mosca.

O poder de negociação dos sindicatos poderia se elevar acima do patamar acanhado que as leis trabalhistas esmagam, mas há no Congresso uma resistência neurótica à modernidade. É a bandeira oposicionista. Mas todos os partidos têm uma ala a serviço do atraso social com a exceção de um punhado de espíritos esclarecidos. Quando está em causa um projeto modernizador, que concede autonomia sindical para negociações diretas com as empresas, a resposta é a mobilização do obscurantismo tradicional que se vê. É assim que se explica por que o Brasil anda para trás pensando que está indo á frente.

A semana passada valeu como teste. Mostrou o brasileiro despreparado para o presente e, obviamente, para o futuro. Não foi uma batalha entre a maioria governista e a minoria oposicionista, mas uma patacoada de esquerda com a ajuda de um PMDB atacado de oportunismo agudo. Um partido que já fez história agora desfaz. O governo lidou com a voracidade dos deputados como domador de feras em circo. O PMDB não teve o menor pudor de passar de dentro do governo, que lhe dá sustento e cargos, para a oposição e aproveitar para conseguir mais do que vale.

Na votação de quarta-feira, a sociedade se envergonhou dos seus representantes. Não porque sejam da situação ou da oposição, mas pela maneira inferior de mostrar interesse. Em política, governo governa e oposição se opõe, da mesma maneira como no terreno do crime polícia é polícia e bandido não é agente da lei. Quem não sabe a diferença pode se dar mal. Pois os deputados do PMDB são o que há de mais parecido com policiais apanhados em seqüestros e assaltos.

O deputado Paulo Paim (PT) aproveitou a oportunidade achando que a falta de nível lhe garante votos para reeleger-se. Sentiu-se personagem de historia em quadrinhos: subiu à tribuna e rasgou a Constituição acreditando que o gesto boçal dispensa argumentos. Esse esquerdismo da idade da pedra não aperfeiçoa a democracia. Se o PMDB acredita que aumentará sua bancada com a dupla personalidade de servir-se do governo e cortejar o eleitor oposicionista, ao mesmo tempo, pode se preparar para grandes surpresas.

Um deputado (desses que nunca dizem a que vieram) confessou o medo de votar pela valorização do direito de negociação dos sindicatos: a seu ver, o governo perdeu a batalha da opinião pública. Perder uma batalha não significa perder a guerra. Esqueceu de dizer que o governo foi traído, dois dias seguidos, pela sua maioria, em especial o PMDB e o PTB. A representação política é parte da opinião pública e devia ficar do lado certo, e não da demagogia. O tempo dirá.

M.F. do Nascimento Brito é jornalista e advogado