O PARADOXAL RACIOCÍNIO DOS TERRÁQUEOS
Na última semana de outubro pudemos ler a entrevista dada pelo gênio da Física moderna, o emérito Sir Stephen Hawking, ao jornal inglês Daily Telegraph, como reproduzida por diversos órgãos de imprensa de todo o mundo, e onde declarava: "I don't think the human race will survive the next thousand years, unless we spread into space. There are too many accidents that can befall life on a single planet. But I'm an optimist. We will reach out to the stars”. E acrescentava, num determinado momento, talvez movido pelos acontecimentos de setembro em Nova Iorque: “In the long term, I am more worried about biology."
Ou seja, segundo ele, o futuro da Humanidade estava na colonização de algum outro planeta ou corpo celeste, em vista da esperada destruição da Terra, pelo efeito estufa –citado em uma importante entrevista anterior sua como a maior ameaça à humanidade- ou pelo motivo que hoje o atormenta, a destruição biológica do planeta.
Trata-se aqui da opinião de um cientista que já foi comparado a ninguém menos do que a Albert Einstein. Um gênio, incontestavelmente. Mas que tenho de contestar, mesmo não detendo conhecimento específico sobre tais assuntos, pelo menos por uma questão de bom senso.
Salta-me aos olhos um paradoxo gigantesco quando a questão é a preservação do planeta Terra, em vista do que se nos espera no futuro -pintado em cores sempre muito sombrias, quase negro, e não só por esse estudioso mas por diversas outras figuras do meio acadêmico-científico- e as efetivas atitudes adotadas por nós, terráqueos, no presente.
A pesquisa espacial, que consome recursos na casa dos bilhões, talvez trilhões de dólares (se acumularmos os gastos dos últimos dez anos) permitiu ao homem moderno vasculhar uma miríade de corpos celestes, dos conhecidos há muito tempo aos récem-descobertos, usando observatórios terrestres com a mais sofisticada tecnologia disponível, de rádio-telescópios atômicos até o mais poderoso instrumento de busca visual embarcado numa nave, o super-hiper-telescópio espacial Hubble, que permite captar claríssimas e muito bem definidas imagens a uma distância não facilmente inteligível pela nossa mente de leigos.
Recentemente, Marijn Franx e Pieter van Dokkum, cientistas do Kapteyn Institute da Universidade de Groningen, Holanda, e Garth Illingworth, Dan Kelson e Kim-Vy Tran, do Lick Observatory, da Universidade de Santa Cruz, na California, utilizaram-se da nitidez única das imagens do Hubble em conjunto com os poderosos captadores de luz dos telescópios gêmeos W. M. Keck, no topo de Mauna Kea, no Havaí, para desvendar ao mundo o que se considerou a galáxia mais longínqüa encontrada no Universo. Distante alguma coisa como 13 bilhôes de anos-luz de onde estamos. Um fato científico digno de registro mas não de uma efetiva compreensão, por grande parte de nós.
Pois bem, ao longo de toda essa distância percorrida pela pesquisa científica até este momento, da hoje banal ida à Lua até a descoberta desta galáxia tão distante que beira a ficção, em nenhum momento se encontrou um lugar que possa abrigar vida humana. E é para esta “aberração" que pretendo trazer o foco deste escrito. A vida humana, assim como a conhecemos. E é aqui que permito-me discordar de Hawking, e indignar-me barbaramente com o rumo atual dos acontecimentos.
Pois de que adianta colonizar o espaço e morar numa cápsula esterilizada? E ter de passar o resto da vida(?) respirando por tubos uma mistura especial de gases que pode acabar a qualquer momento, enfiado num traje absolutamente desconfortável, aquecido (ou resfriado), que, se se romper num movimento desastrado ou enganchar num parafuso, poderá custar-lhe a existência; e ainda depender, para todo o sempre, da carga de algumas baterias? Isso lá é vida?
É viver, ficar claustrofobicamente mantido em ambiente “seguro”, sem ver a luz do Sol, sem poder nadar numa praia ou deitar-se sob a sombra de uma árvore para ver seus filhos brincando num gramado?
É a isso o que Hawking chama de vida? Talvez sim, se a alternativa for a morte.
Ora, se nenhum outro corpo celeste apresenta até agora condições de vida humana, nenhum tem ar ou água, o que dirá de mares, praias, ondas e peixes, ou montanhas, vales, neve e rios, ou florestas, árvores, flores, frutas e bichos, ou ainda algo vagamente semelhante à Gisele Bündchen. Em suma, nada do que existe se aproxima dos prazeres que podemos desfrutar simplesmente vivendo aqui na nossa velha e boa Terra.
E o que estamos fazendo, neste exato momento? Ao invés de entendermos esta pequena bolota azulada como a única possibilidade do sistema solar, como uma Espaçonave Terra (de Spaceship Earth, como a IBM, em uma bela campanha institucional de uns 15 anos atrás, a batizou) da qual somos, todos, sem distinção de nenhuma espécie, tripulantes privilegiadíssimos e cheios de alternativas saudáveis, na verdade estamos destruindo o verdadeiro paraíso, estamos jogando tudo isso fora, acelerado, com atitudes imbecis. Ou, por um outro angulo, por falta de atitudes.
Estamos destruindo a melhor possibilidade de vida em quaquilhões de quilômetros, até onde a vista turbinada pelos melhores telescópios alcança. Estamos acabando ao mesmo tempo com o nosso ar, água, etc., não por coincidência, com aquilo com que estamos gastando muito dinheiro para tentar achar em algum outro lugar muitíssimo pior. Que malandragem é essa? Que evolução da ciência é essa? Que "conquista espacial" é essa?
Não está tudo muito cristalinamente errado? Será que deixamos que a megalomania do homem-conquistador tenha se sobreposto à reflexão simples, primária, básica, piegas até? Não estamos rasgando dinheiro? E quem é que rasga dinheiro?
Estamos colaborando para que este nosso quintalzinho fenomenal se estrague de uma tal maneira que não restará alternativa senão abandoná-lo e às suas antigas e esquecidas maravilhas, para então, pomposamente e em nome da evolução científica do ser humano, ir morar compulsoriamente num “container” abafado, na estação subterrânea XPTO-4, no longínqüo e deserto planeta C4TY89/00.
E então, de forma melancolica, encher a cara com aquela deplorável mistura de xilocaína líquida sintética com todos os 14 antibióticos preventivos de amplo espectro que o governo obriga, para então, quem sabe, enxugando as lágrimas de vergonha e de saudade, inalar fundo na mistura de protóxido de éter sulfúrico bismutado, e tomar coragem para tirar para dançar aquela criatura esguia, verde e viscosa, com seus lindos olhos amarelos de mosca varejeira, que acabou de chegar do que sobrou da Terra.
Não, Sir Hawking, isso não. Há tempo para fazer as pessoas verem o grande erro que estamos cometendo. E para lutar e através da disseminação da palavra, tentar fazer reverter a marcha das máquinas cegamente progressistas em que nos tornamos.
E apenas continuar a viver, aqui mesmo, obrigado.
por Mauro Nahoum
em 27/10/01
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