segunda-feira, abril 19, 2010

O CASO BELO MONTE, PELO LADO TÉCNICO

Marcos Lefèvre é um profissional de mão cheia. Pautou toda a sua vida com um nível de estudos acima da média e por um primor técnico na carreira, que o fizeram merecedor de toda a confiança, e ainda mais se o assunto é a sua especialidade, energia elétrica. Seu artigo abaixo deve ser tomado exclusivamente pela vertente técnica e sua defesa da Usina de Belo Monte se dá tão somente neste contexto - energético/ambiental. Sigo sua orientação de olhos fechados.

Infelizmente, no contexto político atual, a boa e saudável idéia de se aproveitar hidreletricamente Belo Monte já vem mostrando, em perspectiva, inúmeras maracutaias políticas e financeiras que envolvem, como sempre, a "democrática" participação dos nossos bolsos - via BNDES e/ou as "subsidiárias" do Estado, os fundos de pensão das estatais controlados plenamente pelo Governo atual - que poderão transformar uma idéia muito saudável ambientalmente (como o artigo deixa bem claro) num belo monte de vocês sabem o quê, pago integralmente por nós, eternos financiadores dessas festas para a qual não somos convidados.


Hidrelétricas, Belo Monte e Avatar

por Marcos Lefèvre, na Gazeta do Povo (do Paraná), em 19/04/10

No mês de março deste ano, o Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal, liberou o estudo:”Transformações Recentes da Matriz Brasileira de Geração de Energia Elétrica – Causas e Impactos Principais”

Como a grande maioria de brasileiros, frequentemente decepciono-me com as notícias que nos chegam de nossos representantes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, mais para as páginas policiais do que para as de política ou economia.

Foi um alento saber, através da analise do referido trabalho, que no ano de 2007 foi criado este Centro de Estudos na Consultoria do Senado Federal, com o objetivo de “aprofundar o entendimento de temas relevantes para a ação parlamentar”.

Espero que os membros do Senado realmente levem a sério os trabalhos do Centro que eles mesmos criaram, dedicando um tempo para estudá-los e examinando que ações devem ser tomadas no âmbito daquela casa parlamentar, para implementar as ações que se fazem necessárias para o benefício do país.

O trabalho em questão é muito amplo e faz uma avaliação profunda do assunto. Evidencia de forma corajosa, com dados e fatos, as dificuldades que vem sendo enfrentadas para a expansão do parque gerador nacional, concluindo que se nada for feito, teremos tarifas de energia elétrica mais elevadas, maiores riscos de desabastecimento e mais emissão de gases de efeito estufa.

Este quadro tenebroso deve-se à enorme dificuldade para utilizar a imensa reserva hidrelétrica do país, com o abastecimento passando a depender cada vez mais de fontes térmicas, caras e poluentes.

O trabalho destaca que: “as estratégias dos variados setores contrários à solução hidrelétrica conseguiram, na prática, estabelecer um “veto branco”, se não às usinas, ao menos à construção (formação) de reservatórios, aos quais foram impostas severas restrições”.

Nesse aspecto creio que esta conclusão, embora verdadeira, se faz até excessivamente otimista. As dificuldades para se viabilizar a construção de uma usina hidrelétrica são enormes e o país está praticamente desistindo, para prejuízo dos brasileiros, de construir usinas com reservatório.

E como ocorre este “veto branco” ? O trabalho do Senado Federal demonstra coragem ao afirmar: “Esse clima (anti-hidrelétricas) é mantido por meio de um eficiente trabalho de comunicação realizado por ONGs ambientalistas, indígenas, celebridades internacionais, e por determinados movimentos sociais, tais como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Eles têm sido extremamente eficientes para mobilizar a imprensa e a opinião pública contra a construção de usinas hidrelétricas, em geral, e, em especial, contra aquelas dotadas de reservatórios d’água”.

Destaca ainda que “a construção de usinas hidrelétricas sem reservatórios (a fio d’água) – (estabelece) prejuízo que nunca mais poderá ser reparado, porque, ao menos num horizonte de tempo previsível, não se destruirá uma usina para construir outra com reservatório, em seu lugar. Salienta também que a opção por construir usinas sem reservatório “está em confronto com o conceito de aproveitamento ótimo, claramente estabelecido na Lei, mas que não vem sendo cumprido, em face de um insuperável veto branco oposto aos reservatórios. “

Cumpre recordar que num passado não tão distante, o sistema elétrico brasileiro tinha regularização plurianual. O que isto significava? Que mesmo que ocorresse um ano de poucas chuvas, nossos reservatórios garantiriam o abastecimento até, pelo menos, o ano seguinte.

Pouco a pouco estamos abrindo mão destes “cofres de energia”. Com isso, bastam alguns meses de menor pluviosidade ou de atraso no período úmido, para termos que colocar térmicas em operação, com a consequente elevação de custos para o consumidor e maiores emissões de gases estufa e poluição ambiental. Se a seca for significativa, até mesmo o racionamento de energia pode se fazer necessário.

O estudo da comissão do Senado Federal também faz menção a analise feita por especialistas que com o planejamento que se configura, restringindo a construção de usinas com reservatórios, “haverá uma perda na capacidade de regularização do sistema hidrelétrico da ordem de 10%, entre 2010 e 2020. Essa perda terá que ser compensada pela construção de termelétricas, o que implica em aumento das emissões de GEE (gases de efeito estufa).” Estima-se também que “cada 1% de perda da capacidade de regularização (provida pelos reservatórios das hidrelétricas) equivalerá a um aumento de 23% nas emissões”

Ao desistirmos de formar reservatórios, deixamos de usufruir de outros benefícios por eles proporcionados como o controle de cheias, a viabilização da captação de água para as populações locais ou para irrigação, ou mesmo do uso do lago para o lazer dos ribeirinhos. Também se esquece que estes reservatórios são importantíssimos para viabilizar a instalação de fontes renováveis intermitentes, como instalações eólicas ou solares. Associar parques eólicos a hidrelétricas, por exemplo, permite aproveitar ao máximo a energia dos ventos. Havendo vento, reduz-se a geração hidrelétrica. Nas situações de pouco vento ou vento excessivo que obrigue desligar os aerogeradores, a hidrelétrica produz a energia necessária, graças ao estoque de energia propiciado por seu reservatório.

Com a proximidade da licitação da usina de Belo Monte, caímos na situação bem identificada pelo trabalho da comissão do Senado Federal. Vemos agora o diretor James Cameron e a atriz Sigourney Weaver, defendendo que o Brasil desista dessa obra, importantíssima para o país. Algumas de suas manifestações evidenciam seu completo desconhecimento do tema energia e meio ambiente. Exemplos disso são as afirmações de que as energias alternativas, eólica e solares, seriam mais baratas e que as hidrelétricas são uma alternativa energética ultrapassada, do século XIX e não do XXI.

Vejamos algumas informações importantes que os artistas desconhecem. Os países desenvolvidos interromperam a construção de hidrelétricas somente por terem exaurido praticamente todo o seu potencial disponível. Mesmo assim, os EUA estão com um programa para aproveitar a “raspa do tacho”, com o Department of Energy tendo recém-concluido um levantamento detalhado dos potenciais hidrelétricos que ainda podem ser aproveitados.

O Brasil sabe muito bem como construir hidrelétricas ambientalmente adequadas. Tanto é assim que a Copel, por exemplo, ganhou o prêmio internacional IHA Blue Planet Prize, no ano de 2003, pela excelência ambiental na construção de Salto Caxias.

A usina de Itaipu é outro excelente exemplo, tendo também obtido reconhecimento internacional pelo seu respeito ao meio ambiente. Por outro lado, se formos consultar os jornais de 30 ou 40 anos atrás, encontraremos reações enormes a sua construção. “Itaipu vai provocar terremotos ! Itaipu vai mudar o clima ! Haverá expansão da esquistossomose, diminuição da pesca e empobrecimento do solo ! O assoreamento do lago (impedindo a produção de energia) ocorrerá em poucos anos!”. Se estas críticas infundadas tivessem prevalecido, as populações brasileira e paraguaia não teriam contado com a energia segura, barata e ambientalmente adequada que a usina vem proporcionando. Os prejuízos econômicos e sociais sobre toda a população dos dois países seriam inimagináveis!

Também é interessante observar que artigo recente da Gazeta do Povo do Paraná (“Tempo perdido na defesa dos rios do Paraná”, de 2 de março de 2010), evidenciou que a melhor qualidade da água nos rios de nosso estado ocorre nas proximidades de nossas usinas hidrelétricas. Isto não causa surpresa a quem atua no setor elétrico, já que conhecemos bem o cuidado dos profissionais da área ambiental de nossas empresas com esta questão.

A intermitência das chamadas fontes alternativas, assim como seu custo, fazem com que abandonar a construção de hidrelétricas, no Brasil, inevitavelmente implique em construir mais usinas térmicas convencionais e nucleares. É isto que, infelizmente, vem ocorrendo no país. Mesmo no caso dos Estados Unidos, que conta com um enorme programa de instalação de fazendas eólicas, uma significativa expansão de usinas térmicas, especialmente a gás, está prevista para os próximos 10 anos. Serão mais 140 mil MW em térmicas a gerar gases de efeito estufa.

Certamente tudo isto o diretor de Avatar desconhece.

Concluindo, é interessante lembrar que o famoso ambientalista James Lovelock, criador do conceito Gaia, de onde Avatar se baseia, ao ser recentemente perguntado se defendia para o Brasil a expansão da geração através de nucleares, respondeu “eu creio que esta não seja a melhor opção para o Brasil. Vocês têm feito um bom trabalho com a geração de energia hidrelétrica.” ´

O cidadão brasileiro, que consome apenas 20% da energia elétrica que
consome um cidadão dos vizinhos do norte, EUA e Canadá, não pode ser
tolhido em utilizar uma fonte de energia barata, segura e renovável,
propiciada por suas hidrelétricas, fundamentais ao bem estar do país!

Marcos Lefevre, engenheiro, mestre em sistemas de potência e ex-superintendente de operação da Itaipu Binacional.

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