sexta-feira, abril 09, 2010

MAGISTER DORA KRAMER NO ESTADÃO. OU, COMO CUTUCAR A ONÇA COM SUCESSO

Escrevi aqui no passado que quando eu crescesse gostaria de poder escrever (hoje, acho que grafaria "pensar") como Dora Kramer. Vejam se não é um primor de encadeamento e de concisão esta sua análise quanto ao que a Mulé andou fazendo de besteira pelaí. O título do artigo, então, um primor...

Noviça rebelde

por Dora Kramer, no O Estado de São Paulo de hoje

"Conhecida pelo alto grau de exigência no trabalho e pela forma nem sempre gentil de cobrar eficiência total, Dilma Rousseff agora se vê na posição inversa. Cristã nova na política, ela vai precisar que seus pares tenham paciência para lhe ensinar os caminhos das pedras e uma boa dose de condescendência para compreender e, sobretudo, tolerar nessa fase inicial alguns equívocos.

Por exemplo, deixar-se fotografar sorrindo na visita ao túmulo de Tancredo Neves.
Um político, ou política, com um mínimo de experiência tampouco teria se arriscado a enveredar pelo terreno do trocadilho sugestivo de uma aliança tácita entre o eleitorado do PT e o do PSDB para a formação do voto "Dilmasia" ou "Anastadilma" em Minas Gerais - Dilma Rousseff para presidente e Antonio Anastasia para governador.
Em um lance apenas, a pré-candidata do PT conseguiu fazer uma piada sem graça, sugerir que o ex-governador Aécio Neves, a quem pretendia elogiar, poderia trair o candidato do partido dele, José Serra, menosprezar a candidatura do pemedebista Hélio Costa e ainda ignorar o postulante ao governo do próprio PT, Patrus Ananias.
Por causa da frase mal posta levou uma invertida de Hélio Costa, que respondeu sugerindo apoio a José Serra - "Que tal Serrélio?" -, e foi desmentida pelo candidato de Aécio a governador. "Essa expressão (junção de Dilma e Anastasia) não tem amparo na realidade", disse ele, a quem era dirigido o agrado.

É evidente que esse tipo de coisa não compromete a aliança com o PMDB, nem significa que Hélio Costa vá, por causa da declaração de Dilma, mudar de posição e fechar com o PSDB. Se tiver de fazer isso mais à frente será por causa de decisões do PT mineiro. Mas são atitudes que comprovarão o amadorismo da candidata no ramo se somadas a atitudes da mesma natureza daqui em diante.
Isso mina a credibilidade dela, subtrai sua capacidade de liderança junto aos partidos aliados e levanta a desconfiança sobre a possibilidade de Dilma, uma vez eleita presidente, conseguir se articular com o Congresso.
É verdade que o presidente Luiz Inácio da Silva parece entender que esse papel cabe a ele cumprir. O problema é que cabe até certo ponto. A candidata é Dilma.
Daqui em diante ela andará mais e mais por conta própria. Terá de responder a perguntas muitas vezes capciosas, com potencial de consequências nem sempre perceptível a olho nu para quem não tem um bom tempo de estrada. Lula e Ciro Gomes mesmo quantas vezes não disseram que quando concorreram de outras vezes à Presidência da República quando eram menos experientes não estavam preparados?
Em sua despedida do governo, Dilma assegurou que estava. Garantiu que participaria de debates, que a vida a preparara para dificuldades e que, se passara pelo período da ditadura quando era tudo mais difícil, não seria na democracia que encontraria obstáculos. Perfeito. Em tese.

Mas o primeiro teste no giro por Minas Gerais indicou à pré-candidata que a autoconfiança será mais bem aproveitada se a ela forem acrescentadas horas de aprendizado duro no exercício de fazer política. Um ofício que requer prática e habilidade específica.
Voltemos ao caso da declaração de Minas. Se Dilma planejava fazer um agrado ao candidato do PSDB, caberia combinar a jogada antes com o parceiro de fato, o PMDB, avisando também ao PT. Quanto à explícita sedução para o lado de Aécio Neves, o problema é que foi explícita demais. Ofensiva até. Se a ideia era semear a cizânia na seara tucana, o efeito obtido foi o oposto, pois obriga os alvos dos elogios a recusarem em público as fidalguias e a reafirmarem, como fez Anastasia, que ficarão cuidando de suas vidas exatamente onde estão.
Resumindo, Dilma Rousseff precisa melhorar a performance. Na estréia solo riu na hora errada, repetiu uma piada que já não combinava com o contexto, foi repreendida pelos aliados, tentou agradar aos adversários e ouviu um não muito obrigado.
É noviça e por isso mesmo não pode ser rebelde. Nem autossuficiente."

Meu complemento: Mas como ela é a rebeldia em pessoa, vai ser relativamente fácil arrumar uma arapuca na qual Sua Delicadeza se enrede, muito muito fácil. Bastará que a oposição tenha a capacidade de provocá-la com questões capciosas, apertá-la contra a parede de modo sutil que ela explodirá em toda a sua fúria, assustando aos potenciais eleitores tanto quanto um terremoto no Chile ou um deslizamento de encosta em Niterói.

2 comentários:

Jardel Netto disse...

(cont.)

Combinações deste tipo não podem ser explicadas como se elas fossem produtos de uma trama das cúpulas partidárias, ou dentro da ótica da "traição". Normalmente, elas surgem de baixo para cima, ou seja de uma opção do próprio eleitorado. A coluna de Merval Pereira de hoje relembra o caso do voto Jan-Jan (Janio Quadros e João Goulart), que veio de baixo para cima e só depois surgiram comitês eleitorais pregando o voto na dobradinha.

Traduzindo: o voto "Lulaécio" só existiu porque Lula era forte eleitoralmente, inclusive em Minas Gerais. Óbvio que Aécio não poderia recusar tais votos. Hoje as circunstâncias são outras, o que leva Dilma a pregar no deserto e a comprar briga a toa, ao propor a traição eleitoral, de forma ampla e irrestrita.
Se não tiver densidade eleitoral em Minas, a grande vítima da "traição" pode ser ela mesmo, pois Hélio Costa, por instinto de sobrevivência, pode largá-la no meio do caminho, caso a candidatura de Serra emplaque no coração dos mineiros.

Até agora o PT e seus partidos aliados – entre os quais o PMDB – têm sido tolerantes com a noviça rebelde, por entenderem que suas trapalhadas fazem parte do seu aprendizado político. Mas até quando cultivarão a paciência? E se elas impactarem no resultado das próximas pesquisas?

O fato é que neste início da campanha Dilma tem primado por fazer besteira. Pisou em terreno minado ao dizer que "o debate ético é bom para a gente", assumiu um tom agressivo em seus discursos e adotou a postura de defensora de causas ingratas.

Ontem, ao receber o apoio do PC do B, decidiu elogiar a guerrilha do Araguaia e a ação de grupos minoritários de professores de São Paulo. Para aquele público de esquerda, suas palavras soaram como música.

O problema é que tudo o que ela falar não ficará na clandestinidade e irá para a sociedade e pode ser utilizado pelo adversário. É evidente que a esmagadora maioria do eleitorado tem pavor à palavra "guerrilha" (venha de onde vier) e abomina ações radicais como quebra-quebras e tumultos da Avenida Paulista, promovidos pela Apeoesp.

Muitos candidatos já quebraram a cara com este negócio de fazer um discurso ao gosto de público restrito, esquecendo-se que suas palavras serão repercutidas em um horizonte mais amplo. Dilma corre este risco.

Serra é mesmo um sujeito de sorte. Lula foi escolher como sua candidata uma figura que não tem o menor traquejo e que faz política com um tacape na mão. O tucano deve erguer as mãos para os céus por ter que enfrentar alguém que se comporta como um elefante em cristaleira de louça."

Jardel Netto disse...

A titulo de colaboração, outra visão sobre o assunto. Do blog Pitacos.

"Urge a Dilma tomar um cursinho intensivo não apenas de “mineirês”, mas sobretudo de iniciação política, para que ela não meta os pés pelas mãos e não se comporte como elefante em cristaleira de louça, como aconteceu em seu périplo por Minas Gerais.

Para o lulo-petismo, o “risco-Dilma” é exatamente este. É impossível monitorar suas respostas, quando for entrevistada ao vivo. Sem marqueteiros ou assessores que lhe sirvam de escudo, é grande a probabilidade de a candidata soltar a língua e falar o que não deve.

Foi o que aconteceu lá para as bandas das Alterosas. Provocada em uma entrevista para uma rádio mineira, a candidata mordeu a isca ao pregar o voto “Dilmasia” - Dilma para presidente e Antônio Anastasia ( candidato de Aécio) para governador de Minas.

Vamos deixar de lado o fato de que o slogan serve como uma luva para quem quiser debochar da candidata, pois poderia ser entendido da seguinte maneira: “Dilma dá azia,” como a alertaram alguns petistas. A trapalhada foi maior.

Ao pregar o “trair e gozar”, Dilma bateu de frente não só com o PT mineiro, onde Fernando Pimentel e Patrus Ananias disputam a tapas o direito de concorrer ao governo do Estado, mas principalmente com o candidato do PMDB, Hélio Costa. Nos planos de Lula, a viabilização de Dilma em Minas Gerais passa pela construção de um palanque estadual único, cujo candidato ao governo do Estado deveria ser Hélio Costa.

Jejuna em política, Dilma provocou a ira de Hélio Costa. O peemedebista foi rápido no gatilho e respondeu no mesmo diapasão: “ se é assim, vou pregar o voto “serrélio" - Serra e Hélio Costa. De quebra, a ungida de Lula se viu diante do constrangimento de receber uma “aulinha” de política do tucano Antônio Anastasia, que mesmo sendo um iniciante, mostrou ter mais bom senso do que a petista.

De cara, Anastasia deixou Dilma pendurada na brocha ao rechaçar qualquer hipótese do voto “Dilmasia”. E relembrou algo que a petista deveria ter aprendido na sua militância de esquerda, se tivesse entendido Marx: "a história não se repete, a não ser sob a forma de farsa".

Ou como disse o candidato tucano: toda eleição tem as suas próprias circunstâncias e as eleições deste ano serão completamente diferentes do quadro de 2006, quando os mineiros fizeram o voto “Lulaécio” Lula para presidente e Aécio Neves para governador.

(segue)